Loja paga indenização para homem negro que foi acusado de roubar a própria mochila
A loja de roupas Zara e o Shopping da Bahia fecharam um acordo extrajudicial e pagaram uma indenização para Luís Fernandes Junior, homem negro que foi retirado do banheiro do Shopping da Bahia, em Salvador, após ser acusado de furtar uma mochila que comprou na loja da empresa.
Segundo informações do advogado de Fernandes Júnior, Thiago Thobias, o acordo foi feito no início deste mês após negociações que começaram em janeiro.
A defesa do acusado chegou a informar que pediria uma ação indenizatória na ordem de R$ 1 milhão contra a loja e o shopping, para desestimular o racismo. Entretanto, de acordo com Thiago Thobias, um termo de confidencialidade do acordo impede que as partes revelem o valor da indenização.
“A empresa não esperou o cliente entrar com uma ação judicial, tomou a iniciativa de fazer o acordo. Foi um acordo com um ônus superior à média do judiciário”, afirmou.
A defesa de Fernandes Júnior, que é natural de Guiné-Bissau, país que fica no continente africano, acredita que apenas o ressarcimento financeiro pode evitar novas práticas de racismo na loja.
“Uma medida indenizatória onde a empresa teve a medida de procurar o consumidor ofendido e nós passamos quatro meses discutindo com os advogados da parte contrária até chegarmos a um acordo”, disse o advogado.
Em nota, a administração do Shopping da Bahia confirmou o acordo, mas disse que também não pode divulgar o valor, por causa do termo de confidencialidade.
O empreendimento informou que tem o papel de combater qualquer tipo de discriminação e mantém um trabalho de conscientização e reeducação de todos os colaboradores, dada a importância e a urgência desse tema.
Relembre o caso
Luís Fernandes mora na Bahia há sete anos e contou que no dia 28 de dezembro do ano passado, esteve na loja da Zara em busca de uma mochila nova, que viu pela internet. Depois de encontrar a mochila que queria, ele a deixou no caixa e saiu da loja para sacar o dinheiro.
Ao retornar para a Zara, ele fez o pagamento do objeto e então saiu com a compra e a nota fiscal. Com pressa, porque precisava voltar rápido para casa, na região metropolitana de Salvador, ele deixou o troco no caixa e foi ao banheiro, onde acabou abordado pelo segurança.
“Ele ficou atrás de mim. De início, eu não liguei porque não tinha ideia de que seria comigo aquilo. Aí ele chegou perto de mim e falou: ‘eu quero que você devolva agora a mochila que você roubou na loja da Zara’. Eu respondi que tinha comprado a mochila e ainda falei que tinha o comprovante, mas ele não quis ouvir e insistiu para que eu devolvesse”, contou ele, na época.
Depois disso, o segurança – que não teve identidade divulgada – tomou a mochila da mão de Luís e saiu pelo corredor.
“Eu fiquei muito nervoso e saí discutindo pelo corredor atrás dele. Quando chegamos de volta na loja, procurei o rapaz que me atendeu e perguntei a ele de quem era a mochila. O atendente respondeu que era minha, que eu havia comprado. Aí ele ficou sem jeito”, lembrou a vítima.
Mesmo com a situação explicada pelo atendente da loja e o comprovante de pagamento da mochila, o segurança se recusou a devolver a mochila para Luís.
“Eu puxei a mochila da mão dele e ele me ignorou, saiu andando. Eu fui atrás dele, revoltado, e pedi: ‘Quero saber quem é o seu responsável para entender o motivo desse tipo de abordagem'”.
“Aí encontrei a pessoa responsável pela segurança, e perguntei: ‘Você pode me dizer que tipo de treinamento, formação ou educação vocês dão para os seguranças? Se fosse um homem branco, ele teria coragem de entrar no banheiro e fazer isso? Me acusar de roubo, me retirar do banheiro, eu com o comprovante na mão?”.
Ainda assim, Luís relatou que foi tratado com desdém pelo responsável pela segurança. Ele então falou que sabia dos direitos dele.
“Eu falei a ele: ‘eu não sou leigo, não sou burro. Tenho graduação em Ciências Humanas, licenciatura, e faço duas pós-graduações, uma delas em Gênero e Direitos Humanos. Eu sei o que é racismo e o que você está fazendo’. Nesse momento, a fisionomia dele mudou e ele abaixou a cabeça”.
“Me senti humilhado por ser negro. Foi como se ele tivesse me matado e me deixado na rua, de qualquer jeito. Doeu muito. E em nenhum momento eles pediram desculpas. Eu cheguei em casa arrasado, com uma dor de cabeça intensa”.
Na época do crime, a Zara informou em nota que afastou uma funcionária da loja.
A Zara informou também que apura os detalhes do que aconteceu e que lamenta o episódio, “que não reflete os valores da companhia”. Na mesma época, o Shopping da Bahia disse que o segurança descumpriu as determinações de regulamento do shopping, ao atender o pedido da funcionária da loja.
Disse ainda que não compactua com qualquer ato discriminatório, e que “incluirá as imagens deste fato nos treinamentos internos para evitar que se repitam”.
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