Exposições para fazer “justiça” é o caminho? Psicólogo e advogado comentam caso de alunos da UESC

Exposições para fazer “justiça” é o caminho? Psicólogo e advogado comentam caso de alunos da UESC

Convidamos o psicólogo Gustavo Pestana para comentar sobre as motivações por trás dessas exposições que acontecem na internet por conta de erros ou crimes supostamente praticados e os efeitos que isso pode causar. O advogado Alex Andrade também comenta o caso pautando as consequências judiciais por conta dessas atividades.

Na madrugada de ontem e durante grande parte desta quinta-feira (4), repercutiu em Ilhéus e Itabuna o que vem acontecendo em outros locais do Brasil, onde perfis são criados no twitter e instagram com o objetivo de expor alunos universitários que supostamente cometeram fraude e foram aceitas nas instituições pelo sistema de cotas, mesmo sem ter direito.

O assunto gerou uma discussão causando euforia em uma grande massa que apoiou tais perfis, mas também causou desconforto em outras que entraram em defesa dos alunos e criticaram a forma que isso tem sido feito.

Para uma aluna da UESC que entrou em contato com nossa redação, é completamente errado esse tipo de atitude, visto que o correto seria buscar os órgãos competentes e efetuar a denúncia. “Pessoas estão sofrendo com essa exposição, minha amiga passou o dia inteiro chorando, isso pode causar uma série de prejuízos psicológicos”. Por outro lado, em comentarios nas redes sociais diversos usuários alimentam a ideia; “bem feito, tem que expor mesmo”.

O psicólogo Gustavo Pestana explica que essas ações são usadas como meio de buscar justiça, acreditando que expondo as pessoas, elas estarão pagando de alguma forma, o que não é correto já que não é nosso papel condenar ninguém. “Muitos grupos que expõe outras pessoas buscando justiça, usam um instrumento que não é justo. Quem expõe o outro se esconde por trás de um instrumento, que nesse caso é a internet. Outro fator é acreditarem que como a justiça não será feita, expor é um modo do expositor sentir-se “aliviado”. Comenta.

Outro ponto é o ódio gratuito, grande parte das pessoas não estão sendo prejudicadas pelo fato em questão, mas se motivam e se sentem extasiadas em ver o outro sendo “desmoralizado”.  “Não é um sentimento de justiça e sim de “prazer em ver o outro se dar mal”, apontou outra aluna da UESC sobre o caso.

Gustavo acrescenta o fato de que no Brasil não é tão simples classificar qual a etinia de uma pessoa, visto que isso depende de vários fatores e citou como exemplo a Universidade Federal do Espírito Santo, que fez uma comissão para tentar avaliar como identificar a etinia do estudante, fazendo uma leitura acerca do fenótipo, que é a percepção a olho nu e outra socioeconômica; observando se no contexto ele cresceu sem vários direitos que poderia ter.

Consequências

Gustavo explica que as pessoas expostas podem desenvolver quadros ansiosos, inúmeras fobias sociais, fruto dessas exposições. “Expor não é o caminho. O caminho é a conscientização. É um processo lento, mas expor nunca será o caminho, porque você não sabe o que pode desencadear no outro. O ideal é buscar os órgãos responsáveis.” 

É válido pontuar que a cota não é um benefício e sim uma ação reparadora, tem toda uma inteligência por trás desse sistema. “Se você teve direitos e boas oportnidades como sujeito no mundo, é injusto você tirar de outras pessoas que não tiveram os mesmos direitos.”, ressalta o psicólogo. Neste caso, entende-se que mesmo um aluno sendo de cor preta por exemplo, ele poderia se recusar a usar o sistema de cotas se ele avaliar que teve uma vida com acessos e direitos necessários, dando lugar a outro que por ventura necessite.

Jurídico

É preciso levar em consideração que estamos tratando de “supostos” e não de fatos. Essas pessoas expostas podem estar legalmente corretas. Independente do fenótipo, se na certidão de nascimento consta uma informação que se enquadra no sistema de cotas, ela está no direito de usufruir do recurso. Não se pode avaliar apenas pela aparência e condená-la como fraudulenta.

O advogado Alex Andrade alerta para a possibilidade da prática de crimes contra a honra, sendo eles:

CALÚNIA
Art. 138 CP – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

  • Pena – detenção de 06 meses a 02 anos, e multa.

DIFAMAÇÃO
Art. 139 CP – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

  • Pena – detenção de 03 meses a 01 ano, e multa.

INJÚRIA
Art. 140 CP – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

  • Pena – detenção de 01 a 06 meses, ou multa.

Informa, ainda, que aqueles que sintam-se ofendidos em sua honra, podem buscar reparação indenizatória na esfera cível, caso sejam comprovados prejuízos, ainda que exclusivamente de natureza moral, conforme previsão dos artigos 186 e 927, ambos do novo código civil.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Como funciona o sistema de cotas da UESC

Os vestibulandos da UESC que se autodeclararem negros podem utilizar do benefício da Lei de Cotas. A universidade destina 50% das vagas à lei, desde que esses estudantes tenham feito todo o Ensino Médio e parte do Ensino Fundamental em instituições públicas. Também são admitidas até duas vagas para candidatos que sejam reconhecidos pela Funai como índios ou aqueles que sejam moradores de comunidades quilombolas.

Baseado nisso, teoricamente as pessoas expostas (mesmo brancas) não estariam cometendo fraude, visto que ela pode se “autodeclarar” negra, baseado em vários fatores. Poderiam estar agindo de má-fe, mas não haveria ilegalidade.

Pelas informações que levantamos, atualmente não há uma banca, uma comissão que avalia rigorosamente esse sistema, ficando simplesmente a critério dos vestibulandos agirem de “boa-fé”.

Pedimos a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) para comentar o caso, mas até o fechamento dessa matéria não obtivemos resposta.

 

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